
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/estacaoliteraria/article/viewFile/28311/20471
a palavr’incertitude, a palavra diarma, ruído,
arsenal sonoro contra a noite desse silêncio imposto.
o ritmo – eternamente refeito a partir d’uma única
duração. o tempo – talvez seja preciso inventá-lo.
édouard glissant. martinik.1928.2011
pra
ler na calçada
[…]
I
irmano-me ao que mora onde dorme
e como a cura dos desejos,
escuros meus
dou a eles o que
em mim desconhece nome
paradeiro possível de tentativa
sabotada
fiz um negócio vendido
barato na mentira da vitrine
sei de tudo conquanto habito:
disso faço palavra inflamada e
obscura estrada
de terra mestiça
atenta deito nas cores
das minhas razas
mestizas
sou conquanto daquilo conquefluo
e pereço por donde me deit
faço círculos e leis na areia
da qual me despeço desenhos
e castelos, outrora sonhados,
hoje sabidos: a víbora
sedenta espera
o sapo:
cadeia da vida
aniquilá-lo
II
de pés descalços meço o passo por dentre
as plantas que se desenham verdes enovelada
de areia e banalidades dos homens que ali
estiveram sozinhos
cadência e restinga
solfejam o ritmo desse peregrinar sutil
tropeço nas crias das tartarugas
que me comeram a placenta, gesto
nelas calor da caminhada e bendigo
elas que devirão tantas outras
proteger serpentes que tecem sós
e não temem ratoeira
é que me constituem tantas coisas que
me chamo todas elas depois de ti,
depois de ti que me soube caminho
deserto que me fui assim
III
meu corpo tomado pelo que de ser junta-se
centrípeto no seio navegado pela língua
meu corpo febril e os pêlos que de si sabem
levantar-se ambíguos em leito estrangeiro
tomas de pesar o amuleto,
alguma coisa então segue nos paradeiros da falta
passo as tardes tanto caminho
o dia Fluxo amorfo, navegam
meus pés, sublime restinga
erva nasce na areia como pequeno fossem as
bravuras do peito
alento e sina de marcha
delirante povos gentios que infeccionam
o ritmo desse peregrinar sutil
encontro em minha fronte parede vegetal
refletidas, as lonjuras marítimas
aperto o passo,
tanto canto a seita
IV
desse tamanho em que me cabe a bravura
alenta-se ninho estranho no peito que
nino e entrego estado sôfrego à carência
dos seres cuja moralidade renega
minha morada no abismo
destina-se leito o colo que ofereço
e do dengo dos dias deito dormito
daquele cheiro que carrego presença
dele em minha pele rasurada
bulbo capilarizado é matéria que bebo
em meus chás e outros pecados –
feitiçaria ancestral
desde lá aceita
nu feminino
fosso
ferida inversa
V
coisa tinha de caminho nesse amuleto
afeito de vida e sombra, lejanías da
falta castigada, memória
ancestrais anseios disputam medida –
no peito tênue,
patois antigo
difícil passagem
anda onde espreita
rezam e as lendas
sondam memória uterina
resta corpo e febril
perde o rosto
resto da pele
assim me assomo mais ao mundo esmo
VI
marco o caminho na areia
estilhaçada pela gravidez da cama,
encarniçada de vida,
tal qual o mangue por donde me deito
pedra sabe retina
ouso a amplitude do corpo que é meu e me sonda memória o delírio ancestral do
verbo
VII
perco caminhada de silenciosa estrada atenta domínio errático
letra extermínio sangue
busco caminho em campos de areia
matéria que não guarda lembrança
nem do sangue nem do visco
nem dos estupros nem da amplidão
nesse solo
que ora redunda
mangue
ora restinga
sei tal sina
soro sutil
VIII
a despeito do quanto
sondo patois martiniano nesse leito
garimpado pedra
quem seja minha nobreza genética?
[…]
i no original, esses são os oito primeiros poemas do tema “habitações”. in: misantrópolis. ato ii, lejanías.